
Há pouco mais de dez anos, uma comédia de baixo orçamento centrada numa família determinada a levar a filha caçula a um concurso de beleza tornou-se uma das grandes surpresas cinematográficas da época. “Pequena Miss Sunshine” é o nome do concurso de beleza em questão e é também o título do filme lançado em 2006, vencedor de dois Oscars.
Mesmo depois de uma década, as discussões levantadas no filme continuam tendo relevância em nossa sociedade atual. Oliver Hoover é uma criança com cerca de dez anos de idade que sonha em ganhar um concurso de beleza. Para isso, ela é treinada pelo seu avô, um idoso viciado em heroína que foi expulso da casa de repouso. O seu pai é um escritor de livros de autoajuda cuja carreira não decolou, o irmão é um adolescente fã do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que fez voto de silêncio como promessa para se tornar um piloto de avião. A mãe tenta manter o funcionamento familiar em ordem, tarefa na qual não é bem-sucedida e também cuida do seu irmão, que tentou suicídio e agora passa um período com ela enquanto se recupera.
“Pequena Miss Sunshine” é um filme que expõe diversas reflexões. Oliver é uma criança que foge dos padrões exibidos nos concursos de beleza infantil e ainda convive com o temor de não ter a admiração do pai, já que este acredita que o mundo é dividido entre vencedores e perdedores. É justamente aí, nesta dicotomia entre vencedores e perdedores, que mora a deliciosa ironia do filme.
Os cinco integrantes da família não se encaixam no estereótipo dos “vencedores”, inclusive o patriarca, que desenvolveu uma técnica de nove passos para o sucesso, mas não consegue aplicá-la, ou pelo menos não se percebe o resultado da técnica em sua própria vida. Mesmo assim, ele continua focado na conquista do seu objetivo e questionando a filha sobre determinadas escolhas que possam prejudicar a sua carreira de miss, como tomar sorvete (iguaria difícil de ser rejeitada por crianças), por exemplo.
Não tenho dúvidas de que foco e disciplina são elementos importantes na conquista dos objetivos. Pelo contrário, acredito que sem estes ingredientes é praticamente impossível alguém que almeja algo conseguir alcançá-lo. O que o filme faz, de forma inteligente, é promover a reflexão do que de fato é ser um vencedor. Isso não aparece apenas na fala do avô, quando consola Oliver ao dizer algo como “perdedor é aquele que nem tenta”, como também nas situações enfrentadas pelos personagens.
No filme fica claro que, apesar de todos os obstáculos que aparecem no caminho da família enquanto viajam de uma cidade a outra numa Kombi velha, eles continuam tentando chegar a tempo do concurso. Os perrengues não são poucos, vão desde problemas na caixa de marchas da Kombi até um falecimento. Mas eles sabem onde querem chegar e a viagem a bordo deste veículo defeituoso pelas estradas da Califórnia cheia de desafios é a metáfora perfeita para retratar a vida desta família e, por que não dizer, da nossa própria vida.
Dentre tantas lições, “Pequena Miss Sunshine” nos convida a refletir sobre a pressão que nós mesmos nos impomos. Nos aconselha a sermos automotivados e resilientes, buscando fugir das armadilhas do perfeccionismo. Ensina que foco e disciplina não precisa se tornar uma obsessão e que vencedor é aquele que dá sempre o seu melhor, e com isso, se aperfeiçoando cada vez mais.