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Não se afobe, não...

“... que nada é pra já, o amor não tem pressa, ele pode esperar em silêncio...”


Os versos da canção Futuros Amantes, de Chico Buarque, parecem fazer parte de vestígios da estranha civilização citada por ele nessa música. Estranha porque vivemos numa época em que 24 horas por dia já não é suficiente para atender à nossa necessidade de tempo, nessa estranha civilização em que os amores serão amáveis (quem sabe?) por um mês, uma semana, um dia. Em uma conversa com uma amiga, ela me disse perceber que existe uma geração de pessoas que tem medo de se entregar. Elas até anseiam um relacionamento, contanto que não ultrapasse uma faixa amarela de “mantenha distância”, que muitos de nós inserimos automaticamente quando a palavra ‘relacionamento’ começa a vir à tona.


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido em janeiro desse ano, deixou uma vasta obra sobre a liquidez das relações humanas. O seu livro mais conhecido é, provavelmente, “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos” escrito em 2003. Em seu prefácio, o autor já indica o que a obra busca esclarecer: “A misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos.” É vivendo nesse ‘aperta e afrouxa’ que muitos ditos relacionamentos se iniciam e terminam como num piscar de olhos. A palavra compromisso parecer pesar, difícil estabelecer uma promessa de compromisso quando somos constantemente bombardeados por sugestões típicas de uma cultura consumista em que o aproveitamento das coisas precisa ser imediato, correndo o risco de serem descartadas logo em seguida ou trocadas ao menor sinal de “defeito”.


E assim vamos vivendo o amor líquido citado por Bauman. Relações voláteis que se evaporam e desaparecem no ar sem termos a chance de interagirmos verdadeiramente e criarmos vínculos. Deixamos a porta aberta, pois, quem sabe, não aparece uma oferta melhor e mais prazerosa. A impressão que fica é que sim, queremos nos relacionar, queremos criar laços, mas também queremos ter a facilidade de deixarmos tudo isso de lado sem peso na consciência quando bem entendermos. Mas por que será que existe essa síndrome da “faixa amarela”? Por que vivemos nesse ‘aperta e afrouxa’? Uma das explicações pode ser resumida em uma única palavra: insegurança.


Relacionar-se é criar uma parceria com alguém que você pressupõe que irá dividir anseios, sonhos, vontades, desejos, objetivos e, com isso, minimizar a solidão. Até porque a mesma sociedade que incita o consumismo imediato também nos diz que é impossível sermos felizes sozinhos. Assim, conquistamos a sensação de segurança consumindo freneticamente coisas e relacionamentos. A ironia consiste no fato que estar em um relacionamento, para muitos, gera tanta ou mais insegurança do que estar sozinho. Em uma sociedade de descartes, ninguém quer ser o objeto a ser colocado de lado. É desse temor, de se investir e “perder”, que nasce a insegurança, desconfiança, paranoias, sufocamento e outras toxinas que minam qualquer relacionamento.


Entendo perfeitamente toda a análise Bauman e de tantos outros estudiosos sobre o tema. Porém, para mim, o mais grave nessa análise é a constatação de que não assumimos um compromisso com os nossos próprios sentimentos, com a nossa vontade de viver plenamente os benefícios e os ônus de nos entregarmos não a alguém, mas ao turbilhão de emoções que advém da genuína criação de laços, da paixão, do amor. Talvez não sejam sentimentos tão pacientes quanto na canção de Chico, talvez eles não queiram ficar em silêncio, em muitos momentos a vontade que dá é a de sair gritando por aí. Ao não assumirmos isso, ao não termos a coragem de encarar as nossas inseguranças, estamos abdicando da nossa capacidade de fazer o tempo parar, mesmo que seja por alguns segundos e entendermos, afinal, que nada é para já. E porque o amor não tem pressa.




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